Mulheres dedicadas à escrita estão em alta no atual painel da sétima arte, seja nos roteiros, seja nas obras adaptadas
RD Ricardo Daehn

Há uma cena do drama A esposa (em cartaz na cidade) em que a autora Elaine Monzell reclama, na década de 1960, de um mundo reservado aos homens, no meio literário. Ela demostra a falta de prestígio das mulheres, tendo como exemplo o barulho das páginas de “um livro nunca aberto”. Muito antes de cogitado para o Nobel, o marido (e quase antagonista da personagem central feita por Glenn Close) Joe Castleman a desencoraja a investir na profissão que relega a muitos, horas de solidão, impasses com rejeições de editores e, claro, pobreza financeira.
O peculiar processo literário de Castleman, o dono do Nobel na trama de A esposa, tropeça em críticas como a de conter “personagens engessados” e “diálogos empolados”. O discurso de reconhecimento desse personagem de ficção (numa trama baseada em romance escrito por uma mulher, e roteirizado para os cinemas por outra) pode até vir a excluir a vital presença da mulher dele na construção de uma carreira, mas o certo é que, nos dias de hoje, especialmente no cinema (e particularmente nesta temporada de prêmios), as mulheres não ficam de fora.
A ser entregue pelo Sindicato dos Atores no dia 27 de janeiro, os troféus SAG se juntam à onda de valorização de filmes concebidos por mulheres: basta perceber o reconhecimento de filmes com autoria feminina integrada ao roteiro, caso de Podres de ricos, A favorita, Cafarnaum e Você nunca esteve realmente aqui. Ponto em comum, portanto, para as indicações no Bafta (prêmio máximo do cinema, na Inglaterra) e no Globo de Ouro. Confira abaixo, produções de destaque de Hollywood que vêm ancoradas por feitos literários de mulheres.
A private war

Ainda sem data de estreia no Brasil, e sob uma modesta renda de US$ 2,5 milhões, o longa A private war (dirigido pelo estreante em ficção Matthew Heineman) não esgota o interesse na elogiada performance da protagonista Rosamund Pike (de Garota exemplar), no retrato de parte da vida da jornalista Marie Colvin, morta em 2012.
Com roteiro criado a partir de um artigo de Marie Brenner para a Vanity fair (chamado Marie Colvin´s private war), o longa explora a veia destemida da correspondente de guerra Colvin que, entre entrevistas com ditadores mundo afora, despertou atenção especial do líder militar líbio Muammar al-Gadaffi. Em 2003, às vésperas da invasão do Iraque, a escritora conheceu o fotógrafo Paul Conroy (Jamie Dornan), parceiro de muitas aventuras, entre as quais a do registro de incontáveis covas de vítimas do regime de Saddam Hussein.

O que poderia fazer uma pessoa para ser dada como persona non grata, entre pacatos funcionários de bibliotecas e arquivos públicos? A resposta está no desenvolvimento do longa estrelado por Melissa McCarthy, e assinado por Marielle Heller: Poderia me perdoar?. Cercando a vida da falsificadora Leonore Carol Lee Israel, morta aos 75 anos, em 2014, o longa mostra um cotidiano de roubos de escritos e de descarte de máquinas de escrever (para ocultação de provas) da mulher que, alcoólatra, conviveu com um parceiro de crime chamado Jack Hock (Richard E. Grant), e que havia estado na cadeia por dois anos.
Engambelados, donos de livraria e agente do FBI perseguiram a dupla de escritores fracassados que vendiam material adulterado de expoentes como Ernest Hemingway e Dorothy Parker, com lucro entre US$ 600 e US$ 2000. A escritora que, tendo sido freelancer da revista Esquire, escreveu biografias como a da magnata da indústria de cosméticos Estée Lauder e da colunista Dorothy Kilgallen, chegou a figurar com obras na lista de best-seller do The New York Times e redigir a autobiografia, em 2008.
O retorno de Mary Poppins

Numa nova incursão pela Rua da Cerejeira (visitada num filme clássico de 1964, com a estrela Julie Andrews), a governanta Mary Poppins (Emily Blunt), dona de intenções calculadas e, enigmática, pelas atitudes superficiais, assombra a todos por administrar ilusões que enquadram as crianças traquinas de uma famosa mansão. Adaptação da personagem imponente criada na literatura da mística autora australiana P. L. Travers, O retorno de Mary Poppins deixa clara a porção “fada” da protagonista. Poppins investe em viagens psicodélicas, junto aos preceptores, adeptos de um sistema de autodescobertas, quando se trata de educação.
Esotérica, bissexual, determinada e dona de humor irregular, a autora P. L. Travers, nascida no início do século 20 (e morta, aos 96 anos), se dizia britânica, entre porção de bravatas das quais a mais ousada foi a de dizer ter sido mero instrumento de escrita para a própria Poppins que teria lhe ordenado a escrita, ditada, a partir de um mero “anote”.
Filosofia e folclore, além de experiências compartilhadas com índios navajos e mestre zen, estiveram entre as bases de vida para a criação de Travers, que foi seguidora do guru armênio Gurdjieff. Daí, muitos desconsiderarem as verdades reveladas no filme Walt nos Bastidores de Mary Poppins, criado em 2013, e que mostrava o trabalho de pequisa de Travers para criar Poppins.
Fonte: Correio Braziliense