Texto da Comissão Temporária de Patrimônio Bibliográfico e Documental
Face às recomendações nacionais e internacionais sobre procedimentos pós pandemia, a Comissão Temporária de Patrimônio Bibliográfico e Documental do CRB-8 identificou algumas recomendações divergentes, principalmente no que diz respeito a limpeza do livros. Uma corrente recomenda colocar em quarentena os livros que estão emprestados, e uma segunda corrente que recomenda a limpeza da capa dos mesmos com produtos de limpeza.
Para dirimir essa dúvida, durante os meses de junho e julho foram consultados conservadores-restauradores que gentilmente emitiram sua opinião para divulgação no Bob News Expresso para esclarecimento de dúvidas e fundamentação do trabalho em bibliotecas nesse período.
Acompanhe os depoimentos dos especialistas:
Castorina Augusta Madureira de Camargo, Especialista em Conservação de Acervos, Conservadora – Restauradora, Arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/UNICAMP
Considerando esse novo cenário mundial que estamos enfrentando com a pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, precisamos levar em conta a saúde dos profissionais de biblioteconomia e pesquisadores. Tendo em vista a alta transmissão e gravidade do coronavírus, precisamos assegurar que os livros emprestados das bibliotecas não sejam mais um fator de transmissão. Diante disso, temos que pensar qual a melhor maneira de barrar esse contágio.
Deixo aqui meu ponto de vista, entre fazer a quarentena ou a desinfecção dos livros. Esclareço que a quarentena ainda é o melhor método e mais viável diante da nossa realidade. Precisamos analisar que o maior tempo de manuseio dos livros dá-se pelas capas, o mesmo é deixado em várias superfícies, então devemos considerar o material da capa do livro para estabelecer o tempo da quarentena, que vai alterar de livro para livro. A desinfecção pensada como uma possibilidade de diminuir o tempo da quarentena para livros muito procurados, pode trazer riscos e causar danos irreversíveis, sendo recomendado fazer este procedimento somente os profissionais conservadores e restauradores.
Fernanda Bredariol
Considerando os procedimentos de conservação preventiva para acervos bibliográficos a utilização dos produtos de limpeza não seria recomendada, por conterem um teor de acidez que podem ocasionar a acidificação e consequentemente a aceleração da degradação dos materiais, além de não garantir a higienização total da obra.
A quarentena seria uma recomendação mais adequada para as obras que retornam dos empréstimos, visto que o isolamento físico não dispõe de agentes de degradação para o acervo e ainda garante que as obras não serão um meio de transmissão do vírus. Enquanto o tempo de quarentena a ser adotado, aconselho seguir os resultados das pesquisas sobre a permanência do vírus nas superfícies, tendo em vista os diferentes materiais que compõe o acervo.
Francisca Caravellas, Montmartre Studio ‘Arte Conservação e Restauro de Bens Culturais
O mundo foi surpreendido pela Covid-19. Pouco ou nada sabemos a respeito desse inimigo invisível de um poder destrutivo jamais visto neste século. Infelizmente, o planeta parou em reverência a esse terrível mal. Não só na área médica, mas em toda estrutura humanística houve uma mudança drástica nos hábitos e costumes do homem moderno, bem como no âmbito da conservação preventiva de livros, papéis ou até mesmo no universo das esculturas.
O pensar do conservador e restaurador também sofreu mudanças. Esses profissionais começaram a divergir em seus posicionamentos e passaram a ter um ângulo mais abrangente na visão de como acondicionar ou mesmo higienizar uma obra. Como Conservadora e Restauradora acredito que a higienização das obras não seja o caminho mais adequado no momento. Sugiro submetê-las a quarentena, em uma embalagem plástica, de preferência a vácuo por de quinze dias, com margem de segurança de mais dez dias. Após esse período, a obra poderá ser manuseada e analisada por profissionais multidisciplinares que poderão emitir parecer a respeito.
Isis Baldini
É muito difícil expressar uma opinião de forma sucinta sobre um tema complexo e que envolve instituições com realidades distintas, seja em recursos humanos, técnicos e/ou financeiros. De modo geral, existem dois momentos em que a limpeza de livros e documentos será recomendada no pós-pandemia. A primeira será quando os profissionais voltarem às instituições. Devemos lembrar que os espaços ficaram fechados durante muito tempo e, por isso, não será necessário, neste primeiro momento pensar em COVID-19 no acervo, desde que este não tenha sido manuseado na quarentena, mas em fungos e bactérias que podem ter se proliferado nos ambientes e que, além de deteriorarem os materiais celulósicos, são danosos para a saúde humana. Desta forma, as primeiras providências seriam ventilar, desinfetar as áreas de trabalho e higienizar o acervo. Como esta higienização deva ser realizada dependerá de uma avaliação prévia do grau de comprometimento da coleção e dos recursos humanos e financeiros disponíveis.
A segunda será quando os livros e documentos voltarem a ser manuseados. Neste caso, para evitar a transmissão do COVID-19 pelo contato, independente da estrutura funcional da instituição, considero mais seguro que se faça a quarentena de 6 dias para folhas soltas e 14 dias para livros, conforme recomendado por instituições internacionais. Deve-se ter em mente que o livro é um objeto tridimensional, interativo, composto de vários materiais: papel, colas de origens diferentes, plásticos, tecidos, papelão, metal, etc.; cada qual com um tempo diferente de sobrevida do vírus em sua superfície. Não considero adequada a utilização de desinfetantes, inclusive álcool, porque nem todas as instituições possuem conservadores com conhecimento técnico sobre a resistência dos materiais e das tintas aos produtos. Além disso, executar um tratamento químico (folha a folha no caso do livro) a cada vez que um livro ou documento for manuseado poderá danificar sua estabilidade intrínseca, acelerando o processo de degradação e colocando em risco a integridade física e estrutural do bem a ser preservado. Devemos ter em mente que dificilmente voltaremos à normalidade que conhecemos e, por isso, temos que aproveitar este tempo para planejar a longo prazo os trabalhos no pós-pandemia, dentro da realidade de cada instituição.
Confira a opinião de mais conservadores restauradores
Como lidar com acervo bibliográfico durante o contágio pela COVID – 19, Edmar Moraes Gonçalves, Conservador-restaurador
Comentários sobre COVID-19 e procedimentos seguros para a preservação dos acervos, Fernanda Mokdessi Auada, Conservadora-restauradora autônoma