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Consumo de histórias em quadrinhos foi afetado pelo digital, com fãs que já se acostumaram a ler neste formato Foto: Julya Caminha/Folha de Pernambuco

HQs digitais e o incerto mercado que ainda tem muito o que crescer

Plataformas como o Social Comics, o ‘Netflix’ dos quadrinhos, vêm mudando com um mercado que ainda tem muito a crescer

Consumo de histórias em quadrinhos foi afetado pelo digital, com fãs que já se acostumaram a ler neste formato
Foto: Julya Caminha/Folha de Pernambuco

Quem consome cultura pop e pensa em histórias em quadrinhos normalmente visualiza inúmeros volumes de revistinhas, todas reunidas em plásticos e guardadas como a maior preciosidade para o colecionador. Essa é a imagem que filmes e séries passam das histórias que começaram a ser mundialmente publicadas na década de 1930 e são consumidas, até certo ponto, majoritariamente pelo público geek.

De lá para cá, muita coisa mudou: o mercado de quadrinhos foi abraçado pelo cinema (com mais e mais adaptações da Marvel e da DC Comics, no cenário internacional, e adaptações de “Turma da Mônica”, no cenário nacional), a produção das revistinhas se aprimorou (graphic novels, ou seja, histórias mais longas e bem produzidas, se tornaram algo a almejar) e a forma de consumo dessas historietas se inovou.

É que, como esperado pelas visões futurísticas nas quais computadores, celulares e tablets tomam conta das atividades do dia a dia, o consumo de histórias em quadrinhos foi afetado pelo digital. Agora, o número de publicações divulgadas por meio da Internet permite que fãs de HQs não precisem se encaminhar a livrarias para comprar seus colecionáveis: podem, simplesmente, baixá-las.

“Dá para perceber três grupos distintos: aqueles que só consomem quadrinhos físicos, os que consomem os dois formatos, tendo preferência para um dos dois, e aqueles que já se acostumaram a ler digital”, comenta Rodrigo Motta, professor e designer com mestrado em quadrinhos digitais, que leciona Design e Inovação da Universidade Federal de Campina Grande (PB).

Para ele, a mudança de um consumo físico para o digital ainda não é iminente. “Se essa migração ocorrer vai ser um lance geracional, pois acredito que a geração que cresceu lendo no papel irá continuar fiel a ele. É diferente de uma criança que desde cedo tem o digital como ambiente nativo”, considera.

De fato, o mercado de quadrinhos digitais no Brasil anda a passos de bebê: o grande nome dos quadrinhos nacionais, a Panini, não mostra nenhum sinal de embarcar nesse mundo digital, seja com tirinhas nacionais, como “Turma da Mônica”, ou as revistinhas da Marvel, das quais a editora possui os direitos autorais. Em contrapartida, internacionalmente, a Marvel e DC Comics já abraçaram esse mercado.

“Falar em ‘mercado’ de quadrinhos digitais é um pouco forte quando não existem tantas iniciativas neste sentido no Brasil”, pontua Rodrigo. “A Marvel norte-americana e a DC já disponibilizam todas as suas HQs nos seus aplicativos para iOS e Android. Inclusive, para quem consome estes produtos em outros países e não tem problema com o inglês acaba sendo uma solução boa para evitar a demora da publicação física. Como nos EUA isso já acontece, acredito que com o tempo isso irá atingir outros países”, complementa. 

Na opinião do pesquisador Edgar Franco, escritor do livro “HQtrônicas: Do Suporte Papel à Rede Internet” (Annablume Editora; 286 páginas), tudo ainda é muito “incipiente e disfuncional, como acontece com outras mídias”. 

O ato de colecionar

O cenário vem cercado de incertezas – o preconceito ainda ronda as HQs digitais de forma que o prestígio seja apenas das revistas físicas. “O digital é visto mais como meio de auto-divulgação do que plataforma mesmo, pois, no final, normalmente se prefere imprimir o trabalho. Ter algum trabalho impresso ainda tem mais status do que ter algo publicado só digitalmente”, avalia a programadora visual e autora Cátia Ana, de Goiás, que publicou a webcomic “O Diário de Virgínia” por seis anos. 

A barreira com o digital tem nome e sobrenome: o ato de colecionar. “O consumo digital destrói esse que é um dos prazeres atávicos de grande parte dos leitores fãs da linguagem dos quadrinhos”, reivindica Edgar. “O colecionismo impulsionou sempre uma parte considerável do mercado de quadrinhos no Ocidente. E isso é impossível com um produto intangível, o digital. E no digital também existe a sedução constante da hiperinformação, o que não acontece no suporte papel, no qual a leitura é mais focada”, critica.

Para o professor Rodrigo, a Internet e o digital poderiam ser grandes aliados de novos artistas. “Parece um caminho claro publicar quadrinhos online, conseguir uma base de fãs e começar a vender material autoral até atingir alguma editora ou se auto-publicar. O que acho ruim é essa obrigação de ser levado ao impresso. Para o quadrinho digital enquanto linguagem seria interessante que alguns artistas pudessem evoluir no digital, mas conseguindo monetizar em cima deste formato, pois sem isso essas iniciativas acabam minguando”, analisa. 

Plataformas

Enquanto o cenário não muda, o segmento digital investe em plataformas como o Social Comics e o ComiXology. O primeiro aplicativo funciona como uma espécie de “Netflix dos quadrinhos”, possibilitando que o leitor pague uma taxa de R$ 19,90 por mês e tenha acesso a mais de três mil títulos nacionais e internacionais.

Já o ComiXology, ligado a Amazon, traz HQs simultâneas às publicações impressas, que chegam a custar por volta de R$ 10. O formato da história em quadrinho digital foi, inclusive, adaptado para celular, computador, tablet e até o Kindle, da Amazon: diferente de um simples PDF, é possível dar um zoom específico em determinados quadros para facilitar a leitura. 

Porém, nem tudo são flores: “Os micro-pagamentos feitos por sites como Social Comics são irrisórios. Impossível algum quadrinista se manter financeiramente a partir deles”, critica o pesquisador Edgar. “Existe um consumo crescente, mas nem todos atrelados a um modelo de negócio rentável para o artista e, consequentemente, sem criar um volume para um possível mercado”, avalia Rodrigo. Para a autora Cátia Ana, a possibilidade de publicação digital “é mais acessível, porém para o artista é mais difícil monetizar. Talvez por isso o caminho normal seja conseguir um público que, mais à frente, vá te ajudar a financiar a impressão”, conclui.

HQtrônicas

Nas nuances e perspectivas do mundo digital, não se pode esperar que histórias em quadrinhos fiquem presas ao seu formato impresso. Diferentemente do que ocorre com livros e ebooks, as HQs possuem infinitas possibilidades de desenhos e montagens. Possibilidades estas que, se exploradas pela tecnologia, resultam em conceitos totalmente novos. É o que acontece com as chamadas “HQtrônicas”, termo explorado por Edgar Franco em sua pesquisa pioneira, em 2004.

A maioria do conteúdo de quadrinhos disponibilizado na Internet é simplesmente uma HQ tradicional que é difundida nas redes, podendo ser escaneada ou mesmo criada digitalmente, mas que não agrega nenhum dos novos elementos possibilitados pela hipermídia e repete o suporte papel”, explica o pesquisador. “As HQtrônicas são narrativas híbridas que utilizam os elementos tradicionais dos quadrinhos em suporte papel – como balão de fala e enquadramento -, mas agregam novas possibilidades hipermidiáticas – como trechos animados, multilinearidade, tela infinita”, ilustra.

É exemplo a própria “O Diário de Virgínia”, de Cátia Ana: na HQ, a autora fez experimentações que incorporaram, em sua estrutura, elementos do suporte digital. “Assim como ‘O Diário’, são histórias nas quais é quase impossível transpô-las para o meio impresso, pois foram pensadas para o meio digital. Testei com alguns capítulos e, realmente, não rola mesmo a transposição”, diz a desenhista.

“Eu sou particularmente encantada com a tela infinita, em colocar uma história em uma única página, pois isso abre várias possibilidades de utilizar a forma de leitura como um recurso narrativo”, expressa. Em um dos capítulos da HQ, Cátia Ana utilizou-se de uma montanha-russa para contar a história: nela, o leitor ia acompanhando, com o mouse, para onde o brinquedo ia levando. A webcomic está disponível em www.odiariodevirginia.com/.

Cátia Ana utilizou-se de recursos como a tela infinita para criar o ambiente de sua webcomic “O Diário de Virgínia” – Crédito: Cátia Ana/Divulgação

Para Rodrigo, a questão bate em um calo pessoal: sua dissertação de mestrado foi justamente sobre as técnicas de releitura de HQs no ambiente digital. “É uma grande decepção quando penso no que poderiam ser os quadrinhos digitais. Se a editora ou artista apenas pega o quadrinho impresso e publica digitalmente como ‘páginas escaneadas’, está usando o ambiente digital apenas como meio de distribuição. Isso não deixa de ser importante e inteligente, afinal é reprodutibilidade custo zero, porém é uma atitude muito pobre”, desaprova o professor.

Os quadrinhos são uma linguagem formada por diversos elementos e, no ambiente digital, todos eles podem ser incrementados: os balões podem ser interativos, personagens e cenários podem ser animados e até a própria estrutura de leitura em páginas pode ser quebrada, afinal, página é um conceito do impresso. Se um artista apenas pensar que sua página, ao invés de um arquivo estático, puder ser um GIF animado, por exemplo, já vai mudar radicalmente seu escopo de elementos visuais. Tem muitos quadrinhos assim por aí e são geniais”, conclui.

Números:

150 internautas (em pesquisa feita através de formulário Google Docs)

80% dos votantes tendo entre 18 e 25 anos

47% confirmam lerem quadrinhos digitais e impressos, não fazendo distinção entre os meios

Texto por Juliana Costa, da Folha de Pernambuco

Fonte: Folha PE

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