Sebos também procuram outros formatos para se tornar viáveis num mundo conectado

As livrarias físicas vêm enfrentando dificuldades em todo o mundo, e a situação se intensifica no Brasil por conta da crise econômica. No Recife, recentemente, dois lugares emblemáticos para os amantes da literatura fecharam suas portas: a Livraria Cultura, no shopping Paço Alfândega, e o sebo Brandão, na Boa Vista.
Este último tinha quase 70 anos de existência e seu espaço foi melancolicamente ocupado por uma ótica, como uma espécie de recado final para os que não conseguem enxergar a importância do trabalho que era ali realizado.
Nesta última reportagem da série sobre o mercado de livros, falamos de passado e futuro e da esperança que pode existir para as livrarias físicas. Também trazemos a experiência das feiras literárias que ocorrem em diversos municípios pernambucanos e do sebo Casa Azul, em Olinda, que mobiliza dezenas de pessoas através das redes sociais e vem conseguindo trazer diversos eventos culturais para o espaço, localizado no sítio histórico de Olinda.
O jornalista e produtor cultural Samarone Lima era frequentador assíduo da Livro 7, espaço mítico que funcionou no centro do Recife entre 1970 e 1998. Hoje ele é proprietário do sebo Casa Azul, em Olinda, e se diverte colecionando os selos, carimbos e marca-livros que encontra dentro dos volumes que comercializa.
“Por eles, dá para descobrir um pouco da história das livrarias que havia no Recife e que já não existem mais. Dá para perceber que a cidade tinha toda uma gama de ofertas, uma vida literária muito mais intensa e cheia de opções”, aponta.
Saudosista, o antigo dono da Livro 7 (e hoje editor de livros), Tarcísio Pereira, chega a comparar o bairro da Boa Vista nos anos 1970 à argentina Buenos Aires, tida como a cidade que mais concentra livrarias por metro quadrado no mundo. Ele desfia nomes: Imperatriz, Nordeste, Síntese, Saraiva, Dom Quixote, Livro 7, Labor, Mozart, José Olympio, Artes Médicas… Várias empresas que funcionavam em paralelo, dentro de uma realidade em que a internet não existia e o centro da cidade vivia seu auge.
Hoje, a maioria das unidades faz parte de grandes redes e estão instaladas dentro de shoppings ou em bairros de classe média-alta. Uma das exceções é a Livraria Imperatriz, que do alto de seus 88 anos de existência insiste em manter lojas funcionando no centro.
“É muito difícil manter uma livraria de forma sustentável no Brasil. O modelo de livrarias físicas tende a desaparecer nos próximos 30 anos”, analisa o escritor Wellington de Melo, proprietário da editora Mariposa Cartonera e editor da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
“Fecharam muitas livrarias, e isso tem se intensificado nos últimos anos. A recessão que o Brasil enfrenta faz com que o consumo de livros caia e aumenta os custos operacionais a níveis muitas vezes insuportáveis. Paralelamente, o mercado passa por uma adaptação à chegada de novas tecnologias e às alterações nos hábitos de consumo. É uma situação de mudanças rápidas, que põe à prova a capacidade de adaptação dos empresários”, aponta por sua vez o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov.
O último levantamento acerca do número de livrarias no Brasil, segundo o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Luis Antonio Torelli, registra cerca de 1,4 mil empresas. Não há livrarias em 73% dos municípios brasileiros, e naqueles onde existem, a maioria está localizada no eixo Rio-São Paulo. 56% das livrarias brasileiras estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste. O Nordeste fica com 15% do total, enquanto o Norte concentra apenas 3%.
“É uma hiperconcentração gigantesca e muito perigosa, e tão desigual quanto a distribuição de renda que existe no país e está interligada com o fato de menos de 20% da população brasileira é de fato leitora, com capacidade plena de ler, criticar e formular textos”, lamenta Gurbanov.
A CBL está tentando incentivar a abertura de novos pontos físicos de venda, com foco na especialização. “A gente criou um programa de formação para mostrar que é possível empreender e ganhar dinheiro abrindo uma livraria”, diz Torelli. A iniciativa não é fácil. “Livraria não é um negócio para abrir hoje e fechar amanhã. Sempre foi um empreendimento que precisa de tempo para se firmar. Um livreiro pode amar o que faz, mas não pode ser amador”, destaca Gurbanov.
Indo onde o leitor está
Entre as alternativas para fazer com que as obras alcancem os leitores “órfãos” de livrarias, estão as vendas online (embora prejudicadas pelo custo proibitivo do frete no Brasil) e as feiras de livros, que atualmente ocorrem em várias cidades do interior. Em Pernambuco, diversos eventos do gênero têm sido organizados na região metropolitana e em cidades como Caruaru, Petrolina, Pesqueira, Ipojuca, Garanhuns, Limoeiro e Salgueiro.
Segundo Alventino Lima (que já foi presidente e hoje é o diretor de feiras da Associação do Nordeste de Distribuidores e Editores de Livros – Andelivros), as feiras trazem oportunidades que vão além da venda de livros. “Há palestras, concursos literários, atrações que podem acrescentar à cultura local e regional”, enumera.
Experiência diferente
“As feiras proporcionam aos visitantes a chance de uma experiência diferente. Lá, podem conversar com autores e pegar seus autógrafos, ou encontrar uma oferta abundante de livros promocionais a um custo de R$ 1, R$ 2, R$ 5. A feira é emoção para a família, que tem acesso a um lazer diferente, e é comoção para a cidade e a região onde acontece, pois movimenta o comércio”, acrescenta por sua vez Bernardo Gurbanov, da ANL.
“As feiras são livrarias móveis, e de certa forma aprofundam a atuação do vendedor itinerante de livros, aquele herói que vai de porta em porta, de barco, moto, bicicleta ou a pé, levando o acesso à fantasia. Ajudam a criar o hábito da leitura, incentivam as crianças de cinco, seis anos a lerem. Em Garanhuns, há dois anos, uma professora de escola rural convenceu os alunos a economizar o dinheiro do lanche para comprar na Bienal. No dia em que a feira abriu, foi emocionante ver a alegria desses meninos com R$ 5, R$ 10 no bolso, falando com orgulho sobre a autonomia de poderem escolher e comprar seus próprios livros”, conta Alventino, emocionado.



Fonte: Folha de Pernambuco