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Os desafios de atrair as crianças para o universo da literatura

Com o mercado editorial em queda no Brasil, editoras e autores pensam em novas estratégias para conquistar os pequenos leitores

Texto por Daniel Medeiros

Werika Júlia, de 13 anos, é apaixonada por livros Foto: Jose Britto/Folha de Pernambuco

O Dia das Crianças já chegou e com ele a dúvida sobre o que dar de presente para filhos, sobrinhos, netos ou afilhados. Brinquedo? Celular? Por que não um livro? Afinal de contas, na mesma data também é celebrado o Dia Nacional da Leitura, oportunidade de introduzir os pequenos ao universo da literatura. Especialistas em educação não cansam de defender a importância de cultivar o hábito de ler desde a infância, mas ao analisar o mercado editorial no país a constatação é de que os livros infantis ainda representam uma porção muito pequena do quantitativo de obras vendidas por ano. Correndo atrás do prejuízo, escritores e editoras lançam mão de múltiplas estratégias para atrair o leitor mirim, aliando novas tecnologias e uma dose de criatividade.

Para que se torne uma prática cotidiana entre meninos e meninas, o ato de ler um livro precisa ser visto como prazer e não uma obrigação. É o que defende a pedagoga Cristiane Soares, técnica do Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores, da Prefeitura do Recife, que trabalha a mediação de leitura por meio das bibliotecas. “A leitura é fundamental para a criação do imaginário. Por isso, o ideal é que a criança seja inserida nesse processo pelo viés do encantamento. O livro não deve ser encarado como apenas uma ferramenta para ela aprender algo, pois ele por si só tem um papel muito importante na formação das identidades”, defende.

Se o objetivo é despertar o fascínio no pequeno leitor, vale a pena estimular o lado lúdico que a literatura proporciona. Nesse sentido, uma das ferramentas mais antigas que a humanidade dispõe é a contação de histórias. Essa tradição milenar vem sendo resgatada nos últimos anos, seja em escolas, livrarias, feiras literárias, festivais ou centros culturais. Mas nem é preciso ser um profissional da educação para replicar o método. Um exemplo é Renato Oliveira, bacharel em ciências da computação e morador do estado de Goiás. A paixão por contar histórias para as duas filhas – uma de 6 e outra 4 anos de idade – fez com que ele criasse um aplicativo voltado para isso.

Disponível de forma gratuita, o “Contatória” oferece 14 contos narrados pelo próprio criador. “A minha proposta sempre foi criar uma ferramenta de auxílio para pais e mães. Gostava de criar histórias e contá-las para as minhas filhas na hora de dormir. Mas como todo mundo tem seu limite, às vezes eu ficava cansado. Comecei a gravar tudo e colocar os áudios para elas ouvirem. Deu muito certo comigo e achei que poderia dar com outras pessoas também”, relembra. “Comprar livros, lê-los para os filhos, sugerir que eles próprios contem histórias, mostrar as coisas que você descobriu com um livro: tudo isso motiva muito as crianças”, declara Renato.

Incentivar o gosto pela leitura é uma preocupação partilhada pela profissional autônoma Maria José. Na última quinta-feira, ela visitou a Bienal do Livro de Pernambuco, que está instalada do Centro de Convenções, ao lado do filho José Paulo, de 12 anos. “Desde quando ele tinha dois ou três anos de idade, eu já comprava coleções de fábulas e contos de fadas. Ele tem gavetas e mais gavetas cheias dessas obras em casa”, diz. Já a balconista Adriana da Silva, que também prestigiou o evento, nem precisou fazer muito esforço para convencer a filha, Werika Julia, 13, de que ler é bom. “Ela gosta muito de livros, desde que aprendeu a ler. É uma coisa que vem dela. Eu só tento incentivar e observar sempre o conteúdo do que ela está vendo”, conta. O pequeno João Miguel, 8, já é um leitor voraz, principalmente de gibis. “Foi ele que convenceu a família toda a vir para a Bienal”, confessa a mãe, Wedna Gomes.

Mercado em queda

Ainda que os leitores mirins não estejam extintos, o momento não é dos melhores para quem produz e comercializa livros para esse público. Refletindo a crise no mercado editorial, as vendas de obras de literatura infantil caíram nos últimos anos. Segundo a pesquisa anual divulgada pela Associação Nacional de Livrarias, o faturamento ligado às vendas de livros infantojuvenis em 2018 teve uma queda de 7% em relação ao ano interior. Ainda assim, o segmento representou 14,2% do faturamento total do setor livreiro.

Tentando driblar os desafios do mercado, editora de todo o país têm investido em soluções criativas para atrair não só as crianças, mas também seus pais. Uma iniciativa que está na moda é a dos livros personalizados. Empresas como a Sweet Books, do Rio de Janeiro, e a Dentro da História de São Paulo, trabalham com versões customizáveis de clássicos infantis e personagens que fazem sucesso com a criançada. Meninos e meninas são transformados em personagens de livros, como “O pequeno príncipe”, “Branca de Neve” e “Turma da Mônica”, através de um avatar que combina as características físicas do pequeno leitor ao traço original da obra escolhida. Tudo isso é feito por meio da internet e o exemplar é entregue na casa do cliente. Os clubes de assinatura representam outra inovação a qual os pais costumam recorrer. Por um preço fixo, os assinantes recebem kits com diferentes livros, além de outros brindes. A Taba, Leiturinha e Doce Leitura são exemplos de clubes que fornecem esse tipo de serviço.

A crise também não espantou os pernambucanos da Viu Cine, produtora responsável por animações como “Além da lenda” e “Pedrinho e a chuteira da sorte”. Através da criação de uma agência de licenciamento, a Viu Marcas, a empresa vem investindo em transportar os personagens conhecidos na TV e na internet para os livros. Até agora, já foram lançados cinco títulos da série “Além da lenda” e, até o próximo ano, esse número só deve aumentar.

“Eu não acredito nessa visão de que criança não gosta de ler. Estamos passando por um momento muito complicado e vemos como as pessoas da nossa geração têm dificuldade na interpretação de texto. Foi esse problema que deu margem às fake news, por exemplo. As pessoas não conseguem entender o que é dito e nem filtrar nada. Nós, como produtores de conteúdo, temos que incentivar as crianças a questionar, aprender e, a partir daí, surgir um cidadão melhor”, defende Bruno Antônio, coautor das obras. O “Além da lenda” surgiu como série de TV e deve ganhar um longa-metragem em agosto de 2020.

Para que os livros consigam prender a atenção do público tanto quanto a animação, os criadores apostam numa linguagem mais interativa. “Quando lançamos o primeiro título, decidimos colocar algumas brincadeiras para incentivar a criança. A cada capítulo, o leitor tem que resolver um pequeno desafio, que dá a ele algumas pistas para desvendar o caso no final da história. Isso também instiga a criança a querer ler cada vez mais”, explica Bruno, que ressalta a responsabilidade de escrever para quem ainda está em desenvolvimento. “Nós trabalhamos com o folclore brasileiro e algumas dessas lendas têm um conteúdo um pouco pesado. Tomamos todo o cuidado para que as histórias não sejam interpretadas de maneira negativa. Não devemos renegar nossas histórias do passado, mas podemos apresentá-las de um modo mais leve”, afirma.

Fonte: Folha PE

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